Consciência Negra: o dia que deveria ser uma realidade na vida dos brasileiros

Artigo escrito por Ossesio Silva, deputado federal pelo Republicanos Pernambuco

Publicado em 20/11/2019 - 00:00 Atualizado em 3/6/2020 - 13:31

Diante de uma data como esta, onde se comemora o Dia da Consciência Negra, ao tempo que celebro o dia em epígrafe, destaco a importância de essa consciência racial tornar-se uma realidade em nosso país.

Chega ser estranho pensar que, uma vez por ano, reunimos esforços para, em um único dia, celebrarmos a consciência negra, quando na verdade, sabe-se que durante os 365 dias do ano, pessoas são injustiçadas em função de sua cor, enfrentam discriminações ao procurar uma vaga de emprego e, ademais, milhares de jovens negros deixam de sonhar e são transformados em estatísticas por causa de sua raça.

Relembrar a consciência negra é um compromisso diário de cada um de nós, pois quando olhamos para a história do nosso país, ela nos releva que foi por meio do esforço e do suor injusto de vidas negras que o Brasil chegou onde está hoje. Tal responsabilidade é aumentada ao constatar-se por meio dos dados do IBGE, que mais da metade da população brasileira, mais precisamente 54% dos brasileiros, se autodeclaram negros. Avaliando esses e outros contrastes, conclui-se que ainda há um longo caminho a ser trilhado no que diz respeito à igualdade racial no Brasil.

Todavia, em datas como essa, o que não pode ocorrer é a negação da existência do racismo no Brasil e de posturas que reforcem a tese do mito de democracia racial. Infelizmente, o racismo ainda é uma realidade em nosso país e precisa ser constantemente combatido por meio de criação de leis sérias que compreendam a dinâmica racial e da aplicação eficaz.

E foi pensando no cumprimento de uma das minhas responsabilidades como deputado federal, atuar como fiscalizador das ações do Poder Executivo, que recentemente solicitei ao governo federal a ampliação de campanhas de combate ao racismo nos estádios e clubes de futebol. Inclusive, o Relatório Anual da Discriminação Racial no Futebol 2018 revelou um crescimento do número de casos de racismo nos últimos anos. No ano passado, dos 79 casos de discriminação envolvendo o futebol analisados pelo estudo, 52 que equivalem a 66%, tratavam-se de discriminação racial que ocorreram tanto em solo nacional como no exterior. O relatório apontou também que 63% das vítimas de tais ofensas eram os atletas.

Mediantes fatos como esses, pode-se inferir que, uma das dimensões do preconceito racial é não conseguir enxergar o negro ocupando espaços de poder. É por isso que sempre digo que a igualdade racial será atingida quando tivermos mais atletas, médicos, advogados, professores, juízes, desembargadores e políticos negros. Pois só assim pretos e pardos deixarão de ser destaque nas estatísticas de violência e desigualdades para juntos formarem quadros de referência para jovens e crianças negras.

Ainda analisando as estatísticas de desigualdade racial, o Atlas da Violência publicado em 2019, revelou que os cinco estados com as maiores taxas de homicídios de negros estão localizados no nordeste. E é muito triste saber que o estado do Pernambuco, o qual eu represento com imenso orgulho, dispõe da terceira maior taxa de homicídios de pessoas negras. São 73,2 mortos a cada 100 mil habitantes negros. Mas, continuo afirmando que é possível aprender com o passado, sabendo que houve pessoas que mesmo diante de um cenário crítico, optaram por fazer a diferença.

Nesse sentido, o estado do Pernambuco contribuiu com veemência para o fim da escravidão, por meio da atuação do jurista, historiador e diplomata Joaquim Nabuco, nascido em Recife em 1849. Embora Nabuco fosse criado por uma família escravocrata, desde pequeno se apresentou como forte defensor abolicionista. Enquanto político, fez campanha contra a escravidão na Câmara dos Deputados em 1878, liderando a bancada abolicionista, posteriormente dedicou-se à fundação da Sociedade Anti-escravidão Brasileira, em 1880, dez anos antes que abolição ocorresse de fato.

Portanto, é hora de transformar esses indicadores negativos que estão em destaques hoje. Nossas crianças precisam conhecer a história de personalidades negras que foram além, ultrapassaram barreiras e venceram o preconceito racial, como fez a pernambucana Lia de Itamaracá, cantora e compositora, conhecida com a “rainha da ciranda” que embora dedicasse a maior parte de sua vida como merendeira de escola pública, não deixou que as adversidades lhe impedisse de compor lindas canções, espalhando cultura e arte por onde passa.

Como exemplo a ser seguido, também devo mencionar o poeta Solano Trindade, outro negro pernambucano que nos deixou grandioso legado. Nascido em Recife – PE, sempre se mobilizou para a discussão da temática racial, inclusive, participou do I Congresso Afro-Brasileiro realizado na capital pernambucana. Além disso, foi responsável pela organização da Frente Negra Pernambucana, que foi a primeira tentativa de se criar um partido político eminentemente negro no Brasil.

A vida do negro brasileiro passa pelo drama da resistência constante ao racismo em todos seus aspectos, do campo de futebol à violência racial que destroem os sonhos da juventude. Sabendo que a consciência negra deve fazer parte de todos os dias das nossas vidas e não apenas, no dia 20 de novembro. Em todos os momentos, nós, afrodescendentes, lutamos diuturnamente para mostrar que a cor da pele não influência em nada a nossa capacidade intelectual ou de nos relacionar com as pessoas.

Que essa consciência dure mais que apenas um dia e que seja uma realidade, um fato na vida de todos os brasileiros!

*Ossesio Silva é deputado federal pelo Republicanos Pernambuco

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