Descomplicando a legislação: Lei Geral de Proteção de Dados

Artigo escrito por Virginia Souza, especialista em Direito Eleitoral, Civil e Processual Civil do Mulheres Republicanas Nacional

Publicado em 25/6/2022 - 15:10 Atualizado em 1/7/2022 - 15:29

A Lei Geral de Proteção de Dados, a LGPD (Lei 13.709/2018), entrou em vigor em 2020 e inaugurou novo entendimento sobre o tratamento e proteção de dados sensíveis no ordenamento jurídico brasileiro. 

Devemos entender que a LGPD não apenas define critérios e conceitos para o tratamento de dados, mas envolve principalmente a procedimentalização. Portanto, a implementação da LGPD na Justiça Eleitoral, envolve conhecimentos específicos que alteram significativamente muitos aspectos do processo eleitoral, e estes aspectos são diferentes em relação à implementação da Lei no poder público.

Portanto, a proteção de dados disposta pela LGPD tem como preceito a criação de elementos e institutos que permitem a circulação de dados. Todavia, nem todos os dados devem ter circulação irrestrita e é com esse argumento que a LGPD dispõe o que sejam dados sensíveis.

Dados como renda, viagens ao exterior, e até mesmo formação acadêmica feita fora do país, por exemplo, são dados protegidos diretamente pela LGPD, pois podem causar interferência na transparência do processo eleitoral.

O artigo 5º, inciso I, da lei, diz que é a “informação relacionada a pessoa natural identificada ou identificável” e menciona também sobre dados pessoais sensíveis (inciso II, do artigo 5º), que é o “dado pessoal sobre origem racial ou étnica, convicção religiosa, opinião política, filiação a sindicato ou a organização de caráter religioso, filosófico ou político, dado referente à saúde ou à vida sexual, dado genético ou biométrico, quando vinculado a uma pessoa natural”.

Dados pessoais e dados pessoais sensíveis

Ponto relevante é que a nomenclatura segue de acordo com o que trata o inciso I e II, do artigo 5º da LGPD e define como dados pessoais aquelas informações suplementares, sem vínculo direto com a pessoa.
A título de exemplo sobre como a LGPD irá proteger os dados pessoais e os dados pessoais sensíveis no contexto eleitoral é a aplicação do artigo 18.

Partidos, coligações e federações podem ter os dados pessoais de seus correligionários e apoiadores e, em período de campanha eleitoral, podem enviar o material eleitoral para esses dados armazenados.
Dessa forma, quando um cidadão quiser corrigir, alterar, eliminar ou pedir para que esse agente político não envie esses materiais, esse titular de dados pessoais pode requerer que não os envie e também que retire seus dados pessoais do armazenamento de dados do ente político.

Quanto aos dados pessoais sensíveis, a regulação é mais rigorosa, sobretudo em período de campanha eleitoral, pois este compartilhamento deve ter atividade finalística.

Exemplificando, um comerciante que se candidata não pode usar a base de dados de seu estabelecimento para compartilhamento de campanha, pois sua base de dados tem outra finalidade. Caso o faça será imputado a ele abuso de poder econômico. Poderá ser Julgado tanto pelo Tribunal Regional Eleitoral como abuso do poder como pela Justiça comum (LGPD). Dessa maneira, o tratamento de dados pessoais sensíveis somente pode ocorrer mediante as hipóteses prescritas no artigo 11, da LGPD.

Assim, um controlador que tenha acesso a esses dados tornados públicos por seu titular e que os utilizará em processo eleitoral, deve respeitar os direitos e expectativas do titular dos dados, além de atentar-se aos princípios da finalidade, adequação, transparência e necessidade.

Deve ser prestado a atenção e o que se orienta são três principais bases legais para a coleta e utilização dos dados:

1. Consentimento;
2. Legítimo interesse;
3. Cumprimento de obrigação legal.

Quanto ao consentimento, ele precisa ser livre, inequívoco e informado e, caso se tratar de dados pessoais sensíveis, deve ser, ainda, esclarecido e específico. Deve haver clara orientação ao titular dos dados sobre como eles serão coletados e a todo momento, o titular tem o direito de requerer a revogação e, consequentemente, a exclusão de seus dados. Caso não seja cumprido nenhum desses critérios, o tratamento será inválido e pode gerar ilicitude.

O legítimo interesse, anteriormente à coleta, é analisado pelo controlador a aplicabilidade de determinados dados dentro do contexto eleitoral. Por isso que este segundo item não pode ser utilizado para dados pessoais sensíveis. O terceiro item, cumprimento de obrigação legal, é a aplicação adequada dos dois itens anteriores e que os titulares possam contatar os responsáveis por controlar e operar seus dados (art. 18 da LGPD).

LGPD na campanha eleitoral e o ilícito

A campanha eleitoral é o momento crucial em que os partidos, federações, candidatos e candidatas tenham acesso a grande número de eleitores e que, sobretudo, conheçam seus hábitos e preferências.
Esse tipo de prática configura ilícito eleitoral, passível de multa, no valor de 2% do faturamento da pessoa jurídica de direito privado, limitada a R$ 50 milhões, além das outras sanções administrativas contidas nos incisos do art. 52, da LGPD.

Outra prática de campanha eleitoral muito utilizada nas eleições de 2018 e que, por força do julgamento das Aijes no TSE e com a vigência da LGPD será ilegal para as eleições de 2022, é o compartilhamento de mensagens em massa. Este tipo de compartilhamento é ilegal, pois não há a presença das três bases legais descritas acima e, além disso, a prática ficou conhecida como forma de transmitir fake news a um grande número de usuários com o intuito de influenciar em suas preferências e ideologia política.

Esta prática, segundo o julgamento das Aijes 0601771-28 e nº 0601968-80, pelo TSE, configura abuso de poder econômico e uso indevido dos meios de comunicação social, que são os aplicativos de mensagens instantâneas.

Como já analisamos, o cadastramento de dados pessoais de eleitores necessita estar coberto sob o véu do princípio da finalidade e, ainda, é expressamente proibido o tratamento posterior desses dados de forma incompatível com o consentimento do titular de dados (artigo 6º, inciso I, da LGPD).

Concluindo, A Lei Geral de Proteção de Dados será aplicada pela primeira vez nas eleições gerais de 2022 e será um grande desafio para a Justiça Eleitoral, em virtude do aumento da utilização da internet e os meios de comunicação social através das mensagens instantâneas, monitorar e analisar as questões relacionadas à proteção de dados.

Assim, o tratamento de dados pessoais no contexto eleitoral precisa seguir os princípios elencados pela LGPD, a saber: finalidade (art. 6º, inc. I); adequação (artigo 6º, inc. II); necessidade ( artigo6º, inc. III); livre acesso (artigo 6º, inciso IV); qualidade (artigo 6º, inciso V); transparência (artigo 6º, VI); segurança (artigo 6º, VII); prevenção (artigo 6º, VIII); não discriminação (artigo 6º, IX) e; responsabilização e prestação de contas (artigo 6º, X).

Portanto muito cuidado, não podemos nos deixar levar por questões que possam prejudicar a campanha e atrapalhar o processo eleitoral.

Vamos juntas em mais um desafio! Estou à disposição de todas vocês!

Um beijo no coração de cada nobre republicana!

Dra. Virgínia Souza – OAB/RJ183.189
Advogada do Movimento Mulheres Republicanas Nacional e especialista em direito eleitoral, processual civil
Foto: cedida

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